Sunday, March 26, 2006

Passeando naquele quintal com flores

... e inspirando-me nelas, de tão belas, colhi este fruto:

«Flores
Que dão
Frutos
Do meu
Quintal» (1)

... Que pintam o ar
Com aguarelas
E perfumam as minhas janelas
Com vivas cores
E tons de irreal
Qu'inebriam
A minh' alma
De poeta
De fotógrafo
De pintor
Que entoam hinos
À Primavera
Sonhando com o Verão
Desabrochando
Amores...

(1) Fonte: Jorge Moreira, in http://jorgemoreirashakti.blogspot.com

Tuesday, March 07, 2006

Na esteira de uma estrela, cadente (III)


Aquele som, aquele blog!, estava para os seus ouvidos como o verde dos campos para os seus olhos de castanho-tronco, como o cheiro da terra para o seu olfacto. Talvez por isso mesmo, dos passos que davam pela calçada, friorenta, o pensamento fugia-lhe agora para a aldeia das férias da sua infância, remota, sempre à distância de uma viagem interminável sob um sol de Agosto escaldante.
Sim, recordava-se bem... Era somente ao fim de cinco exaustivas horas que a aldeia se mostrava num vislumbre, mas aquela doce visão expungia por si só e com alvoroço o cansaço abrasador que lhe ia inscrito no corpo de criança.
*
E ali estava a Estrela, tão perto de si, a elevar-se majestosa e alcatifada de verde! E ela virava-se no banco de trás para poder admirá-la e reavivar aqueles cambiantes nas retinas da sua memória. E o cheiro do ar! Tão diferente do da cidade que deixara horas antes! Cheirava ali a terra e a mimosas, a pinheiros e eucaliptos, a giestas e rosmaninho, a rolas e pardais.
*

Depois eram mais quinhentos metros até ao "povo" - assim chamavam ao aglomerado de casas-, onde se podia ver a capela e o largo do coreto, a venda do Costa, a grande quinta dos Garcias e umas casas mais pequenas, todas em granito, com escadas ásperas - que às vezes faziam sangrar impiedosamente os joelhos - alpendradas e, ao rés do caminho, as «lojas», donde saíam mugidos e rumores de palha mexida.
*
*
Porém, a sua casa ficava situada num ponto alto afastado do povo, quase isolada. Era a última. E para ela era aquele o lugar mais lindo da aldeia.

E continuavam a subir ligeiramente... chegavam ao outeiro, um largo com casas dispostas em quadrado e uma fonte, onde as mulheres iam encher os cântaros de barro e os pequenitos chapinhavam na água transbordante. Ainda se lembrava de como o coração lhe batia , forte e rápido, quando chegavam a esta etapa do percurso. É que do outeiro até lá cima, à casa, era um abrir e fechar de ohos. E era quando um bando de garotos descalços e tisnados do sol saía a correr dos seus alpendres e se agarrava à traseira do automóvel, guinchando e rindo. Eram os seus companheiros de brincadeiras que faziam com que, durante aquele mês, os dias fossem tão breves como o relampejar de uma estrela cadente.
E era o pai que sorria... - e que saudades sentia ela agora do seu sorriso franco e já ausente! E o carro que subia devagar e aos solavancos aquele caminho pedregoso e estreito, onde em tempos
idos teria corrido um alegre ribeiro... E as silvas cheias de amoras gordas e negras que arranhavam os vidros... E ela que, voltada para trás, ria para aqueles amiguinhos, sentindo a cara a latejar, sonhadora, das mil e uma brincadeiras que iriam inventar nesse verão: piqueniques no pinhal, festas de anos imaginárias em que os bolos eram feitos com terra e decorados com rosmaninho, passeios na carroça do tio, tardes de baloiço nas mimosas, jogos de escondidas ao luar... E conseguia ainda sentir a alegria daqueles garotos perante a novidade repetida que ela era ali, acabadinha de chegar da capital que eles não conheciam, de vestidinho airoso e tranças cuidadas. E quando finalmente chegavam a casa... As pernas tremiam-lhe de emoção. A Esperança e os cinco irmãos faziam-lhe perguntas; trocavam-se beijos. Depois subia as escadas a correr, galgando os degraus dois a dois, e da varanda alpendrada lançava para o longe um olhar ávido e certeiro sobre os campos cultivados em retalhos, mergulhados numa paz completa. Mais perto, o pinhal, à direita, manchava de verde escuro e sombras a paisagem verde e estava ali a dois passos de si; o olival mesmo em frente, cheio de rolas cantantes, e atrás da casa, a courela com os seus frutos, que ela adorava colher e comer logo, à dentada e por lavar.
Num ápice, a bola de borracha verde e amarela saltava alvoroçada de degrau em degrau, escadas abaixo, e passava de mão em mão. Mas a mãe vinha chamá-la para a sesta, alegando um cansaço que ela já não sentia.
E o sino da capela parecia saudá-la com as suas três badaladas, enquanto a Esperança e os irmãos iam em grande correria e gritos, caminho abaixo, espalhando ecos e esperanças, esperanças e ecos...ecos...ecos...para voltarem mais tarde.
O pulsar dolente e incansável das cigarras tentava em vão embalá-la, quente, a ela que, com o coração na cabeça, fingia dormir mas apenas sonhava...
Os bichos do campo não dormiam a sesta...

Friday, March 03, 2006

... mas foi mais longe,


e para além, justamente
«Como quem vai pensando o seu caminho,
Com coração que vai, corpo que fica»,

que cheguei, enfim, ao deserto


... mas tu que me segues, até aqui, e lês, se queres prosseguir, agora lê:

«Não esqueças nunca

o gosto solitário

do orvalho»

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Fontes: Dante Alighieri, in A Divina Comédia, O Purgatório, Canto II; Matsuo Bashô, in O Gosto Solitário do Orvalho; Max Ernst, (imagem) Arizona desert.